Nossa Filosofia

Cada criança guarda dentro de si, a força criadora futura para criar um mundo em que a ética com si mesmo e o outro seja o seu valor primordial.

Quando falamos da realidade de força criadora encontrada nessa criança, uma das reflexões mais centrais é a respeito sobre o que aconteceu com essa sua força, ao nos depararmos com a realidade expressa das relações sociais de violência com si, com o outro e com o mundo.
A busca incessante da beleza e da perfeição do corpo possa ser um inicio de exemplo da falta de amor a si mesmo, uma busca que coloca em risco a própria vida, expressas em transtornos como bulimia e aneroxia. São muitos os exemplos, que se prioriza a forma do corpo e o desejo por formas de prazer, e mesmo que isso seja um risco eminente de morte, essa busca sobrevive.
Ao existir essa ausência, desse eixo central e que salvaguarda a sua existência em harmonia e alegria no e com o mundo, essa mesma relação de violência com si mesmo torna-se uma conduta e prática com o outro ser humano e com tudo aquilo que se expressa como vida, aquilo que constitui a Natureza, como a água, a terra, plantas, animais e os seres microscópios
Todos os dias, assistimos práticas que desconstroem a vida na terra .Os exemplos sociais, ensinam continuamente essa desconstrução, todas as vezes em que práticas de violência, são socialmente aceitas e ditas como normais. Já no início da vida humana, o ser, recém chegado é acometido por essa violência descabida junto de sua mãe, expressa pela cisão no elo de amor entre eles, através do incentivo as cesáreas desnecessárias e a separação da mãe e o bebe logo após o nascimento. Os exemplos denunciam a grande dificuldade do ser humano em ser amado e amar.
Quando olho uma criança, olho para meus filhos e vejo na inocência um caminho, um começo de resposta em relação de qual maneira eu posso encontrar uma forma de fazer expandir a força criadora e transformadora dentro deles e de todas as crianças..
Ao receber um abraço dos meus filhos, eu abraço essa oportunidade única de conquista desse caminho, que é a minha inigualável presença de mãe em suas vidas a maior parte do tempo. No abraço recebo o amor mais puro e único que possa existir nesse mundo, pois o recebo de alguém, que naquele momento de infância, é a pessoa que mais me ama, com todas as forças de sua existência. Entretanto, observo que esse caminho, dia a dia, vem se diluindo, a medida que a presença cuidadora e zelosa das mães, é de alguma maneira tomada ou consentida, e por conseguinte substituídas pelas Escolas ou creches. Dessa forma, esse abraço, tão vigoroso, fica em um eco confuso e perdido entre os pais e os filhos, a medida que a Escola passa a fazer mais parte da vida dos filhos.
Sentir-se amado é parte importante na construção da auto estima, sentir-se correspondido no amor é um processo diretamente dependente daquilo que fazemos a criança, para atender de forma plena suas necessidades emocionais e fisiológicas, ou seja, o amor, antes de tudo é mais compreendido por elas através das nossas ações, mais que as palavras
Todo o meu empenho, é para a conquista desse espaço tão vital, entre mães e filhos, temporariamente perdido. Um espaço de apoio ao amor, o de cuidar e estar integralmente, com o corpo e a alma, na vida dos nossos filhos de uma forma feliz e prazerosa, em todos os momentos de sua vida, incluindo a gestação e o parto. Pois acredito que o amor vivido em sua plenitude, pode igualmente ser dividido e capaz de construir outros valores, e um outro mundo sobre o preceito de amar verdadeiramente o próximo como a si mesmo. Apenas com esse valor conquistado podemos concretizar os ideais do nosso coração.



domingo, 1 de maio de 2011

NUNCA É TARDE - Laura Gutman

NUNCA É TARDE.

www.maternidadeconsciente.com.br

“Qualquer instante pode ser a ocasião perfeita para compartilhar a mudança que alguém decidiu assumir. Não há lição mais virtuosa que compartilhar com os filhos o “dar-se conta” e a intenção, a firme intenção, de se tornar, a cada dia, uma pessoa melhor. Definitivamente, para um filho, é extraordinário encontrar-se com a simples e suave humanidade dos pais que procuram seu destino a cada dia” (LAURA GUTMAN)

Mudar é melhor que arrepender-se, pois quando mudamos assumimos a postura de transformar a nossa vida e a do outro com o objetivo que a alegria floresça em nossa vida e na de nossos filhos. Esse texto, escolhido com muito bom gosto e sensibilidade pela Maternidade Consciente, de Laura Gutman, trago aqui para vocês, para que, de maneiras criativas possamos resignificar nossas vidas, nesse caminho com nossos amados filhos.

Um dia qualquer, aparece um mestre, um livro, um amigo ou um pensamento que muda o curso de nossas arraigadas crenças. Dentro desta virada pessoal, o que fizemos com nossos filhos não nos agrada. Hoje não faríamos o mesmo. Nós mudamos. Mas o que não podemos mudar é o passado.

Pois bem, chegou o momento de reconhecer que já não cabe em nosso ser interior uma modalidade antiga, baseada no preconceito ou no medo. Talvez fôssemos exigentes demais com nossas crianças, crendo que fazíamos o correto, mas o fato é que estávamos distantes de nossos sentimentos amorosos. Quem sabe nós tenhamos maltratado-lhes sutilmente. Nós mentimos para eles e hoje são um pouco desconfiados, nós não somos de confiança para eles. Nós desprezamos e subestimamos seus sentimentos. Exigimos obediência e nos responderam com rebeldia. Fizemos ouvidos surdos às suas reclamações e agora eles já não nos escutam.

Os anos passaram e queríamos rebobinar a vida, como num filme, para fazer as coisas de outro modo. Pois bem, há, sim, algo que é possível se fazer hoje: nós nos darmos conta. E uma vez que tenhamos feito isto, falar sobre isso com nossos filhos. Mesmo se eles tiverem dois anos, ou cinco, ou quatorze, vinte e seis, quarenta ou sessenta anos. Pouco importa. Nunca é tarde. Sempre é o momento adequado, quando humildemente geramos uma aproximação afetiva para falar de alguma descoberta pessoal, de uma ânsia, um desejo ou de novas intenções. Para uma criança pequena, é alentador escutar a mãe ou o pai a pedir-lhe desculpas, comprometendo-se a oferecer maior cuidado e atenção. Para um adolescente, é uma extraordinária oportunidade falar com algum de seus pais em intimidade respeitosa, nunca antes estabelecida entre eles. Para um filho ou filha adultos, é uma porta aberta para formular-se perguntas pessoais. Para um filho maduro, é tempo de conforto e de profunda compreensão dos ciclos vitais.

Qualquer instante pode ser a ocasião perfeita para compartilhar a mudança que alguém decidiu assumir. Não há lição mais virtuosa que compartilhar com os filhos o “dar-se conta” e a intenção, a firme intenção, de se tornar, a cada dia, uma pessoa melhor. Definitivamente, para um filho, é extraordinário encontrar-se com a simples e suave humanidade dos pais que procuram seu destino a cada dia.

Texto original de Laura Gutman: Nunca es tarde

Tradução livre feita por Flavia Penido
Revisado por Amano Bela

domingo, 24 de abril de 2011

Rosa Cukier- A importância da construção da Auto Estima na criança e o papel dos seus cuidadores.

O QUE SIGNIFICA, EXATAMENTE, NECESSIDADE DE DEPENDÊNCIA BÁSICA DO SER HUMANO? Para responder a esta questão, preciso antes descrever, rapidamente quatro características naturais da criança, que fazem dela um autêntico ser humano e que são muito bem resumidas por Bradshaw (1988) : · Ela é valorizável- uma criança não nasce com auto-estima e nem tem noção alguma do seu valor pessoal Ela irá absorvendo este valor de fora para dentro, de acordo com a estima e dedicação que seus pais têm por ela. No início da vida isto pode significar um toque e um olhar especiais (Kohut, H., 1977)8, presença constante e previsível, espelhamento correto das necessidades físicas, etc. Com o desenvolvimento, este dedicar valor ao outro vai, progressivamente se transformando em atitudes mais complexas, e que exigem grande maturidade dos pais, tais como, permitir que a criança experimente sua autonomia crescente sem ameaçá-la com a retirada do amor. Margareth Mahler (1977) observando o desenvolvimento infantil passo a passo durante muitos anos, descreve mães que não conseguem suportar o desligamento gradual do bebê. Elas o despersonificam, desencorajando suas buscas tateantes na direção de um funcionamento independente, em vez de permitir e promover a separação gradual. Outras mães com características simbióticas, de início se agarram aos bebês para depois empurrá-los, precipitadamente para a "autonomia". Uma forma extremamente poderosa de pressionar a criança, a fazer o que os pais querem é dizer-lhes: " Se você não fizer isto, mamãe e papai não gostarão mais de você !" Outra forma, freqüente, de se jogar com este poder de atribuir valor à criança é compará-la com outras crianças, fazendo com que ela se sinta menos que...., ou mais que... alguém. Ameaçar uma criança com a retirada do amor dos adultos significativos para ela, corresponde a retirar o valor que ela tem, ou, em outras palavras, consiste em dizer que ela não têm um valor intrínseco, mas sim relativo e dependendo daquilo que ela fizer e de como o fizer. Penso que uma das tarefas mais difíceis na educação infantil seja colocar limites nos filhos sem, entretanto, chantageá-los com a retirada deste valor intrínseco. Mesmo porque, a maior parte dos pais foi educada desta mesma forma por seus próprios pais e considera este jeito de se comunicar com a criança, natural e inofensivo. Se pensarmos num adolescente freqüentemente ameaçado de perder seu divertimento predileto se não tirar notas altas, veremos como o valor abstrato de outrora, se transforma com o tempo em objetos concretos, bens materiais, dinheiro, que são dados e retirados, desde que o outro faça isto ou aquilo. Toda vez que uma criança sente que não tem valor para os pais ela se sente envergonhada e inferiorizada por isso. O "Eu "se ama e se respeita quando se percebe amado e respeitado. Por outro lado, o" Eu " se odeia quando intui que está sendo rejeitado ou deixado de lado. Muitos anos de educação sob este sistema de manipulação do outro através da atribuição e retirada de valor, acabam gerando adultos que, tal qual a Pac.. B, sobrevivem com um senso de valor próprio defeituoso. São pessoas que ora se subestimam ora se superestimam, tornando - se ou excessivamente dependentes do outro, sem a autonomia da vida adulta, ou excessivamente independentes do outro (do tipo que não precisa de ninguém). · Uma criança é vulnerável, devassável, ou seja, não têm um sistema de defesas (fronteiras) desenvolvido e dependem dos pais para protegê-la. Esta falta de limites entre o "Eu" e o "Outro" faz com que as crianças sejam normalmente egocêntricas e se sintam misturadas com tudo à sua volta, explicando o mundo baseadas em si mesmas. Ex.: se meus pais brigam, a culpa é minha, se eles não ficam comigo deve ser porque eu sou ruim; se eles trabalham demais e nunca estão comigo é porque eu valho menos do que o trabalho deles. Os pais têm uma dupla e árdua tarefa que é reconhecer e respeitar o direito que os filhos têm de serem donos de seus próprios corpos, pensamentos, sentimentos e comportamento e, ao mesmo tempo, guiá-los em direção a uma percepção mais realista e funcional do mundo, limitando seu egocentrismo. A frustração gradual de algumas necessidades da criança, faz com que ela perceba que o outro não é parte intrínseca dela. Por outro lado, toda vez que fica frustrada a criança responde com irritação, birra e desagrado. Isto é normal e os pais precisam aceitar estes impulsos agressivos, sem se deixarem pessoalmente destruir por eles. A expressão da emoção é uma necessidade fisiológica do organismo em busca de uma homeostase que foi perdida. Se a emoção não é expressa ela retroflete, voltando-se para o EU da criança. Assim a raiva, por exemplo, que não pode ser dita acaba se voltando para o próprio Eu e gerando sintomas e atitudes destrutivas. Alguns pais não toleram os impulsos e as emoções das crianças. Na realidade, quando as emoções são muito fortes, os adultos temem perder o controle da criança e tratam de limitá-la. Ninguém agüenta uma criança furiosa, ou mesmo uma criança excessivamente feliz. Elas fazem muito barulho, ficam muito excitadas e nos perturbam. Muitos pais punem de forma exagerada (Pac.. C), ou com a ameaça de retirada do amor, como vimos antes. Freqüentemente encontramos pacientes que desde cedo desistiram de contrariar os pais e, começaram a querer agradá-los, cuidando para que eles não ficassem excessivamente irritados, ou deprimidos (pac.D.). Há uma inversão de dependências, a criança fica com o poder de definir a situação e aprende que é do humor dela que depende o dos pais, e não vice-versa. Estas são as crianças boazinhas, as auxiliares dos pais, que põe a sua sensibilidade e empatia a serviço dos demais e, segundo, Alice Miller (1979) aquelas que tem boa chance de se tornarem a psicoterapeutas um dia. A independência dos pais e o fato deles próprios terem limites bem estabelecidos auxiliam a criança a se separar dos pais e ter uma representação interna adequada de si e do outro. Quando isto não ocorre, possivelmente sobrevive um adulto que ou não sabe se proteger adequadamente nos relacionamentos ou não consegue ele mesmo se conter, para não ser ofensivo aos demais (pac.A). Ainda é possível pensarmos no tipo oscilante que ora se apresenta extremamente invulnerável, ora mostra uma vulnerabilidade extrema. · Crianças são imaturas, imperfeitas - elas são descoordenadas, deixam cair coisas, quebram objetos, caem, se sujam, fazem barulho, colocam o dedo no nariz, brigam no carro atrapalhando os pais que dirigem, pedem para ir no banheiro nos momentos mais complicados, etc. Enfim crianças agem como crianças pois além da falta de coordenação, motora, elas carecem de falta de conhecimento sobre seus limites, como agir diante de dificuldades, etc. Em muitas famílias disfuncionais, aonde os adultos se colocam como deuses que administram a perfeição (nunca erram e se o fazem jamais admitem ou pedem desculpas) as crianças são punidas severamente e envergonhadas por cometerem erros normais. Espera-se que a ela seja mais adulta do que é, como se tivesse nascido com uma manual de informações sobre a vida. (Pac.A) Eu tenho uma paciente que se lembra de horas e horas de medo dentro de um quarto escuro, mas não é capaz de lembrar qual foi a coisa errada que cometeu, portanto, seja lá o que a mãe queria lhe ensinar com o castigo, este aprendizado não ocorreu. Sob medo, vergonha, sensação de inferioridade e desvalia o único aprendizado que pode ser introjetado é o de que não valemos nada enquanto seres humanos (Pac.A,B,C,). Muitas informações são necessárias para que uma criança entenda como é a vida, e ela aprende por ensaio e erro, e/ou através daquilo que os adultos ensinam, mas e sobretudo, através de como os adultos agem eles mesmos. Sabemos hoje que crianças criadas com excessiva intransigência costumam se amoldar à expectativa tornando-se, mais tarde, adultos perfeccionistas e controladores ; poderão também tornar-se adultos profundamente inseguros, que sofrem demasiadamente quando erram e que tem medo de avaliações ; ou ainda poderão se rebelar, recusando-se a cooperar e até trabalhando para serem o contrário daquilo que lhe pedem. Estes são os rebeldes e as crianças ruins e problemáticas da casa. Costumo dizer aos meus pacientes, brincando: -"Faça o que você está querendo, mesmo que sua mãe concorde!", aludindo a este mecanismo de ir contra, pois o que percebo é que muitos adultos não seguem nem mesmo as normas que eles colocam para si, sendo incapazes de qualquer disciplina. Uma outra forma inadequada de lidar com a imperfeição infantil é ignorá-la, fazendo com que as crianças acabem nunca aprendendo que seu comportamento aborrece ou perturba outras pessoas. Assim também se criam pessoas que serão consideradas inoportunas e chatas pela sociedade, simplesmente porque não têm consciência de que seu comportamento é abusivo e perturba o outro. Finalmente penso que um dos aprendizados mais preciosos que se pode dar às crianças seja mostrar que, de vez em quando, todos, inclusive seus pais, cometem enganos e que, quase sempre, existe possibilidade de reparação do erro, ou no mínimo, de um pedido de desculpas. O pensamento da criança é concreto e radical - a criança não discrimina nuâncias entre as qualidades das pessoas e objetos. Sua concretude de pensamento faz com que ela pense de forma polarizada e extremada: ou é bom ou ruim, é tudo ou nada, agora ou nunca, etc. Os guestalterapeutas (Perls, F.,1973 :46-48) descrevem outra peculiaridade da mente infantil que é a de assimilar introjetos, pedaços inteiros de idéias, como se não mastigasse ao engolir. Piaget (1926: 54-74), por seu turno, nos mostra que só a partir de 8 anos as crianças começam a poder entender experiências separadas e assimilar diferenças. As crianças muito pequenas acham que aquilo que se diz delas, é elas, por isso se incomodam tanto com as gozações Pois bem, diante destas quatro características da criança normal: valorabilidade, vulnerabilidade, imperfeição e pensamento radical, podemos inferir o que significa necessidade de dependência básica do ser humano. Significa poder contar com pais que : 1- façam ela se sentir preciosa, importante e providenciem o que necessita enquanto não for autônoma.2- dediquem tempo e atenção para poder ajudá-la a definir seus próprios limites e a obter as informações que precisa para lidar com a realidade e com suas próprias necessidades;3-permitam que a criança expresse seus impulsos agressivos e hostis sem se destruírem e sem destruírem a auto-estima da criança; ao mesmo tempo também se permitam a expressão de reações agressivas e hostis, respeitando a assimetria intrínseca do vínculo.5-permitam que a criança seja criança, depois que ela cresça e ganhe autonomia;6-sejam pessoas coerentes, consistentes, previsíveis que ensinem e ajam da mesma forma;7- sejam seres falíveis, que admitam seus erros e peça desculpas. Sei que vocês devem estar achando que sou extremamente exigente, que estes pais ideais são tudo menos humanos e que - das características descritas já são suficientes para uma criança crescer razoavelmente normal. Concordo com esta observação, mas tenho percebido que a cada desconto que se dá aos pais, se conta um ponto numa lista enorme de abusos infantis, e que crianças submetidas a qualquer tipo de abuso ou negligência destas necessidades básicas de dependência, crescem apenas na aparência física e social, emocionalmente continuam de alguma forma, humilhadas, órfãs e envergonhadas toxicamente, reivindicando aquilo que não tiveram, tentando, a qualquer preço reparar sua auto-estima, sua dignidade, seu narcisismo ferido.

Reflexões sobre a escola antes dos 3 anos

A entrevista com Steve Biddulph, na revista época, fala de pontos importantes a respeito da educação formal as crianças de 3 anos.
"Quando somos amados, nossas emoções são apaziguadas. Há muita risada, música e cantoria. Aprendemos a nos recuperar do estresse rapidamente. É difícil tornar-se amável sem ter passado por essa experiência. E a melhor fase para sentir isso é na primeira infância, nos braços dos pais. É quando se desenvolve a parte do cérebro que ama: o córtex frontal, que reconhece um sorriso, aprecia um afago, vê o mundo como seguro e interessante"


Nos primeiros anos de vida, as crianças só precisam do amor dos pais, afirma o best-seller Steve Biddulph
FRANCINE LIMA
Um dos autores mais bem-sucedidos da psicologia infantil, o britânico Steve Biddulph, de 51 anos, não se envergonha de jogar um balde de água fria nas conquistas femininas dos últimos 40 anos. Em vez de sair para trabalhar, ele diz que as mães – e os pais também – deveriam ficar em casa com seus filhos até eles completarem 3 anos. O motivo é a inadequação das creches modernas às necessidades das crianças dessa idade, que, segundo Biddulph, precisam muito mais de amor e carinho do que de brincadeiras com gente estranha.
ENTREVISTASteve Biddulph
VIDA PESSOAL Nasceu em 1956, em Yorkshire, na Grã- Bretanha. Mora em Evandale, na Austrália. É casado com a escritora Shaara Biddulph O QUE PUBLICOU Entre as obras que publicou, traduzidas em 27 idiomas, estão o best-seller Criando Meninos, O Segredo das Crianças Felizes, Momentos Mágicos com Seus Filhos, Filhos: Nossa Imortalidade e, o mais recente, Criando Bebês Felizes, em que condena creches para bebês
ÉPOCA - Estudos dizem que as crianças devem ir para a escola quanto antes. Por que o senhor discorda? Steve Biddulph – Bebês não foram feitos para ir à escola nem para ser cuidados em grupo. Eles crescem e aprendem melhor quando têm um ou dois adultos cheios de amor exclusivo. Minha pesquisa é clara nesse sentido: até os 3 anos de idade da criança, é a família que tem condições de interagir com ela para um bom desenvolvimento cerebral. Ou seja, com intensidade e sintonia. É assim que o bebê aprende a se aproximar e a criar empatia – e adquire o que chamamos mais tarde de “inteligência emocional”. A melhor hora de colocar a criança na escola é a partir dos 3 ou 3 anos e meio. O certo é começar com três manhãs por semana de jardim-de-infância, com atividades educativas. Isso é bem diferente de deixar a criança todos os dias numa creche de período integral.
ÉPOCA - Qual a importância da adaptação escolar no aprendizado da criança? Biddulph – Estudos sobre estresse e níveis de cortisol no sangue mostraram que bebês na fase de aprender a andar sofrem o dobro de estresse quando são separados da mãe e inseridos numa creche. Foi constatado que por meses o nível de cortisol se mantém alto. Sabemos que cortisol elevado faz mal, porque atrasa o desenvolvimento do cérebro, atrapalha o sistema imune e até reduz o crescimento. Os estudos constataram que as crianças que aparentavam bem-estar, na verdade, permaneciam estressadas – elas aprenderam a esconder a emoção e a lidar com ela. É importante lembrar que, nessa fase, a idade e o preparo são cruciais. O que pode ser valioso e excitante para uma criança de 5 anos pode ser devastador e traumático para outra de 1 ano e meio. Desenvolvimento infantil é isso: a coisa certa na hora certa.
ÉPOCA - Pesquisas demonstram que as crianças se desenvolvem melhor quando são estimuladas a ganhar independência. Como oferecer a elas essa oportunidade sem prejudicá-las?Biddulph – Dos 3 anos em diante, elas começam a brincar socialmente. Antes disso, elas na verdade vêem outras crianças mais como fontes de concorrência e ameaça que como companhia. Quem brinca com as crianças pequenas são as mais velhas ou os adultos. Você não vê bebês tomando conta uns dos outros. Eles apenas brigam. Forçar essa interação social pode atrapalhar o aprendizado, de acordo com estudos internacionais que acompanharam milhares de crianças. Eles descobriram um fator de risco triplo: as muito novas que vão à creche com freqüência e passam muitas horas ali se tornam agressivas, ansiosas e desobedientes. E perdem o vínculo com a mãe. É importante ver isso em perspectiva. O número de crianças “desajustadas” cresce de 6% (em lares de bebês criados em casa) para 17%, nesses casos. Os pesquisadores acreditam que provavelmente toda criança criada em creche é de alguma forma prejudicada. Mas não criemos pânico. Pôr seu filho numa creche não é crime, mas é uma opção menos valorosa.
ÉPOCA - O que há de errado com as creches? Biddulph – Para algumas crianças, pode ser uma experiência triste e danosa. O que se aprende nos primeiros anos de vida é a socialização: como confiar, se sentir seguro e ser alegre. Esse aprendizado é precioso demais para colocá-lo em risco no ambiente caótico de uma creche, barulhenta, com crianças demais. As creches estão distantes da imagem idealizada que elas vendem. A equipe muitas vezes é desqualificada, e os profissionais mais atenciosos costumam estar ocupados e estressados. Ali, as crianças são tratadas como grupo e não podem ser amadas ou cuidadas individualmente. As interações amorosas que elas têm com a mãe e o pai centenas de vezes por dia acontecem menos de 20% do tempo na creche. Estudos com gravações em vídeo mostram que bebês nessa situação acabam desistindo de pedir atenção e tornam-se depressivos. Ficam quietos e aí são considerados bons bebês.
Nas creches, as crianças não podem ser amadas individualmente. Os bebês desistem de pedir atenção, ficam quietos e aí são considerados bons bebês
ÉPOCA - Como pais que trabalham o dia inteiro podem dar atenção suficiente aos filhos pequenos?Biddulph – O direito à maternidade e à paternidade é uma questão de justiça social. Em algumas sociedades, como nas Filipinas e na África do Sul, os pais são forçados a viver longe dos filhos por razões econômicas. É muito triste. Essa é a tragédia da industrialização. Em todo o planeta, famílias têm sido devastadas por modelos assim. Na vida em comunidade e nas aldeias indígenas, as famílias ficam unidas durante o dia. Os avós são tão bons quanto os pais, e parentes fazem um trabalho melhor que qualquer creche na maior parte dos casos. É por isso que estou fazendo campanha. Até as pessoas mais ricas têm seu papel nessa mudança, pois dão o exemplo. Nos países ricos, são os ricos que põem suas crianças em creches e têm menos tempo para cuidar delas. As pessoas pobres detestam ficar separadas de seus filhos e tendem a preferir que um membro da família tome conta das crianças enquanto trabalham.
ÉPOCA - O senhor está sugerindo que mães que colocam seus filhos em escolas os amam menos?Biddulph – A oferta de babás baratas para mães ricas nos países em desenvolvimento é uma tentação. Enquanto a mãe cuida da casa, a babá cuida do bebê. Como o bebê interpreta isso? Como se ele fosse tão importante quanto a faxina? Ser mãe ou pai não é coisa fácil: é algo para aprender. Se deixar a criança em uma creche for inevitável, os seguintes fatores devem ser levados em conta: quanto menos crianças por cuidador, melhor; equipe perene (para uma relação estável) e cuidadores bem pagos (para que eles se sintam bem ali). Minha pesquisa mostrou o efeito das horas em uma creche sobre as crianças. Até 1 ano de idade, não se recomenda creche por nem um minuto. Até os 2 anos, dois dias curtos (meio período) por semana. Até os 3 anos, três dias curtos por semana são aceitáveis.
ÉPOCA - Em seu livro, o senhor afirma que “tudo de que os bebês precisam é amor”. Como eles experimentam esse amor?Biddulph – Amor tem a ver com tempo. Quando você vê um pai amável com seu filho de colo, o tempo escoa, parece lhe restar todo o tempo do mundo. A pressa é inimiga do amor, porque o corrói e destrói. Temos de combater isso para proteger pais e filhos do estresse. Quando somos amados, nossas emoções são apaziguadas. Há muita risada, música e cantoria. Aprendemos a nos recuperar do estresse rapidamente. É difícil tornar-se amável sem ter passado por essa experiência. E a melhor fase para sentir isso é na primeira infância, nos braços dos pais. É quando se desenvolve a parte do cérebro que ama: o córtex frontal, que reconhece um sorriso, aprecia um afago, vê o mundo como seguro e interessante.